Pra quem não conhece Fabio Leal é um Dj brasileiro reconhecido por sua técnica de mixagem aguçada e estilo inconfundível, acaba de chegar de sua turnê pela Europa onde se apresentou em festivais conhecidos como o Freqs of Nature na Alemanha.

Dono de um set hipnotizante Fabio Leal foi o primeiro brasileiro a fazer parte do casting da Zenon Records, é de longa data que vem promovendo o progressivo psicodélico no Brasil, como produtor, já trouxe muitos artistas da Zenon Records para seus eventos, como Sensient, Tetrameth e Shadow Fx, além de trabalhar em conjunto com a agência 4AM para booking e tours de todo o time.

Confira abaixo um bate papo sobre diversos assuntos em que ele expõe seu ponto de vista  e toca em assuntos muitas vezes não abordados por artistas da cena.

Purpletrance: Quais suas influências e como é o processo de escolha e construção de seus sets?

Fabio Leal: Quando entrei em contato com a música eletrônica eu ouvia muito techno e drum’n’bass.
Estilos que naquela época já eram bem cabeçudos, os sons q eu gostava não tinham algo de pop ou apelação.

Então desde o começo eu já gostava das coisas pesadas, isso ficou marcado em mim – não tinha nada melhor do que aquele bass massivo que massageava o peito quando você estava no sweetspot do soundsystem. Eu sempre ficava no lugar onde o som batia mais forte e eu podia prestar atenção no que o cara no palco estava fazendo.

Isso influenciou a minha escolha de tracks/construção do set hoje em dia, pois levo em conta aquela pessoa que foi ali para me ouvir, sabendo exatamente do que se trata meu trabalho. Sei muito bem como é quando vamos para um evento para ver um artista que gostamos, estamos ali esperando a melhor apresentação dele, que nos arrepie.Por isso me esforço para trazer a minha melhor performance a cada evento, mostrando composições novas, estilos novos, tendências musicais, técnicas de mixagens apuradas e que fogem ao padrão, formando assim um conjunto de obra coerente do ponto de vista artístico.E como cada evento é uma ocasião diferente, eu aproveito para explorar as diversas nuances da gravadora que represento em cada situação específica.

Purpletrance: Porque o progressive dark? Como surgiu esse amor pelo estilo?

Fabio Leal: Queria tocar um som diferente do que estavam tocando e comecei a pesquisar. Vi que ninguém investia nessa linha e comecei a ouvir muitas coisas novas, gostei muito. Aí não parei mais desde então, sempre mergulhando cada vez mais fundo na exploração.

Porém, eu não chamo aquilo que toco de progressive dark, porque não é dark.

É progressivo e psicodélico; quando tocar de dia, serão sons mais futurísticos e modernos, com um humor sério – se for a noite, serão sons mais pesados e agressivos, mas não dark.
Muitas pessoas assimilaram esse termo com um conotação negativa, associando como se fosse música de filme de terror, macabra, estranha e barulhenta.

Como o que eu toco não tem nada disso, então eu procuro sempre desviar do rótulo “prog dark”.

Purpletrance: Vemos muitos DJs falando sobre determinadas panelas que rolam nas festas no Brasil, esse fato realmente existe ou são apenas intrigas de pessoas que não conseguem uma oportunidade de tocar?

Fabio Leal: Eu observo que as panelas existem sim, mas não fazem parte de eventos de médio para grande porte. Minha leitura pessoal da situação é a seguinte.

Eventos de médio porte geralmente abrem espaço para DJs com trabalho sólido e original (com muita ênfase no original), que tenha chamado a atenção dos organizadores. Ou seja, se tiver um bom trabalho e tiver paciência/persistência, uma hora você é convidado. Eu sinto que em eventos de médio porte é onde existe a maior possibilidade de reconhecimento, pois em sua maioria os organizadores de fato abrem espaço quando notam algum artista novo e talentoso.Eventos de grande porte por regra vão convidar DJs/Lives que já chamam muita atenção do público em geral – que vão justificar o investimento em seu cachê através dos ingressos que vão vender pela sua presença naquele line up; isto também não é panela se analisarmos com imparcialidade, é simples – se você ficar famoso, você vai acabar entrando uma hora ou outra.

Já nos eventos de pequeno porte, a dinâmica é diferente, são chamados amigos para os line-ups e as vezes um ou dois headliners que serão os investimentos principais para chamar público; eu vejo que a panela mesmo acontece mais nestes eventos, onde predomina o convite através de quem já se conhece, não há tanto espaço assim para DJs novos como muitos pensam. Só terá espaço se for conhecido de algum dos organizadores ou amigos do mesmo.

Purpletrance: Nós acompanhamos sua página no facebook e vimos o desabafo que você fez sobre a lenta evolução da cena aqui no Brasil. Você acha que ainda nos resta  esperança de alguma mudança por aqui?

Fabio Leal: Não foi um desabafo, porque isso indicaria que eu já estou cansado da situação, quando em verdade, já estou bem acostumado.
Isto não é a primeira vez que acontece, já aconteceu no passado. Só está se repetindo novamente.
São mais de 15 anos que frequento esta cena, começando como um clubber que sempre ficava prestando atenção nos DJs.

Aquela foi uma reflexão que quis compartilhar, para poder gerar uma conversa saudável sobre um aspecto que muitos já tinham sentido, mas não tinham falado abertamente.
E com certeza a esperança existe sim e está, no momento, nas mãos do público frequentador.

Nós que trabalhamos na cena, como djs, produtores, organizadores, promoters, bookers, todos estamos investindo nosso tempo e energia para que o cenário se mantenha sustentável financeiramente e continue evoluindo. Plantamos sementes diariamente, através das mais variadas maneiras que existem nesse contexto cultural.

Porém, se o público não assimila e não se interessa na evolução em conjunto com esse trabalho, vai haver adaptação, porque o mercado funciona assim.
O que vai se adaptar? O produto à demanda.
Se não houver uma necessidade por uma cena mais rica e diversificada musicalmente, vamos ver mais um ciclo de muita repetição e estagnação criativa por aqui.

Purpletrance: Você voltou a pouco tempo de uma turnê na Europa. Como é pra você tocar nesses festivais?
Quais experiências você trás na bagagem?

Fabio Leal: Foi maravilhoso.

Tocar e ver a reação dos estrangeiros é muito gratificante. Receber o feedback positivo dos organizadores e promoters também me deixou muito feliz.
Em cada set eu dava uma boa olhada pra pista anter de entrar e ali já sentia que dava pra fazer o que quisesse, via que tava tudo rolando de tal maneira que eu podia chegar e pesar o quanto eu achasse adequado, ninguém ia reclamar.
Essa é uma das sensações mais iradas p/ um dj. Provavelmente já viram minha cara aqui no Brasil quando a situação em algum evento era a mesma – eu dou umas risadas sozinho sem motivo aparente.
A maior experiência que eu trouxe comigo é que quando estamos em solo internacional, percebemos a multidimensionalidade do super-organismo que fazemos parte. Foi bom relembrar esta sensação, de sentir-me como um terráqueo, um cidadão planetário desse super-organismo.Só de contemplar isso, muitas perspectivas interessantes surgem em mente.
É mais interessante ainda refletir sobre isto quando você está no meio de uma pista pegando fogo, com todos aqueles outros cidadãos manifestando suas personalidades planetárias.

Purpletrance: Muitos dj’s que costumam tocam aqui no Brasil, fazem um som totalmente diferente na Europa, bem mais agressivo. Na sua opinião porque existe essa diferença?

Fabio Leal: Porque aqui quando você toca sem limitações, você até pode ter feito um set irado, técnica perfeita, mixagens cabulosas, tracks maravilhosas e inteligentes – mas se o público não entendeu, vai falar que você não tocou bem, que não contagiou a galera, tocou um som esquisito.

Mas se vem o próximo no line up e manda um set bem simplório, com mixagens abaixo da média, técnica questionável, apenas um pen drive com mp3’s e um fone de ouvido – tocando todas as tracks mais conhecidas do momento (aquelas das explosões e drops épicos), dando aquela animada de torcida, subindo na mesa, pulando, fazendo aquele show né – aí a percepção será “nossa, aquele cara tocou muito, ele é muito bom, ele destruiu”.A expressão “tocar muito” aqui no Brasil não significa que o artista tem habilidades técnicas e artísticas excepcionais.

Então perante o público, quem tocou melhor foi o segundo; quem o público vai pedir pra ver de novo é o segundo, não o primeiro.

Todos os lives mais conhecidos e mais bem pagos do momento sabem muito bem disto. Eles sabem que se querem manter sua renda proveniente dos eventos brasileiros, precisam se adequar a esta regra.Como vivem disso, é fácil entender porque não mudam e eu também não os julgo por fazerem isto, pois é seu ganha-pão e todo mundo precisa se sustentar, ninguém sabe o dia de amanhã.

Por isso que eu sei que se o público evoluir, o artista vai se sentir a vontade para mostrar evolução também, assim como os organizadores.
Sempre falo o quanto é importante todos nós que trabalhamos com isso, nos posicionarmos claramente e respeitosamente, procurando informar de maneira adequada as pessoas, quando pedem nossa opinião.Não acho legal dar tapinha nas costas de algum artista só porque ele é famoso; ele tem que estar preparado para ler e receber críticas construtivas.

Purpletrance: Ainda sobre sua turnê na Europa, quais as maiores diferenças que você consegue apontar entre a Europa e o Brasil?

Fabio Leal: Nosso país foi colonizado há “apenas” 514 anos.

A Europa não é chamada de Velho Continente à toa, a história deles é muito mais antiga que a nossa; então é natural que a sociedade deles esteja culturalmente mais avançada que a nossa aqui no Brasil.Falando particularmente da cena psicodélica, isso se refletiu na maneira como as coisas são planejadas e manifestadas. Muitos itens polêmicos aqui no Brasil, ali eles realizam da maneira correta, de modo que faz muito mais sentido tanto para frequentadores quanto para staff/artistas.

Coisas pontuais  que eu acho interessante citar, dos bons festivais :
– ali se leva MUITO a sério o trabalho de um engenheiro de áudio. Em todos os eventos que eu toquei, os engenheiros ou técnicos/operadores do sistema estavam ao lado do palco e disponíveis para prestar suporte prontamente, durante o festival inteiro. Eu sempre me apresentava a eles chegando aos eventos e procurava assimilar os padrões de operação de cada sistema. Assim deu pra maximizar minha performance em todas as ocasiões, eles me deram condições ultra-ideais para controlar suas naves.

– cada DJ que tocava fazia um esforço para respeitar o que tava rolando antes e o que viria depois, sem descaracterizar sua linha original de música; ou seja, maioria fazia muito bem a lição de casa. Não ouvi nenhum dj que entrou com um som fora de contexto, repetitivo ou manjado.- a galera dança bastante. Todo mundo. Promoters, organizadores, artistas… quando estavam na pista, eu vi dançando constantemente, não era só quando vinha um drop. Era como se fosse uma histeria coletiva super fluída e contagiante, se entrou na pista, você é absorvido, assimilado e energizado. Você dança e pronto.

– público não usa muito óculos lá, pelo menos nos eventos que eu fui era bem reduzido o número de pessoas que usavam. Se tomavam os psicoativos ficavam sem óculos mesmo e não tavam nem aí se alguém notava que eles estavam na brisa. Eu vi que eles usam óculos para quando está sol mesmo, não para esconder a loucura.
Eu achei isso muito legal porque mostrava uma autenticidade da parte deles, sem falar que era muito engraçada a interação que acontecia as vezes.
E não vi coisas feias não, ninguém descontrolado ou com olhos ultra-arregalados. Só pupilas grandonas dilatadas. Era equilibrado, notava-se que quem tomava, na sua maioria, sabia como lidar com a experiência sem passar do ponto. Também tinha muita gente que eu via totalmente sóbria, mas totalmente em transe, no pleno exercício consciente de elevar a própria vibração e viajar pra outros planos. Isso era muito bonito de se sentir.

Eles são profissionais na arte de celebrar.

Purpletrance: Um fato que seria hipocrisia não tocar é o consumo de drogas em festas, qual o seu ponto de vista sobre o assunto?

Fabio Leal: Estão abusando muito dos sintéticos aqui no Brasil. Abuso mesmo. Lá fora se usa, não se abusa – em maioria dos casos.
Aqui no Brasil dá a impressão que não terá psicodelia se não tiver esse abuso. Sei que os psicoativos também fazem parte desta cultura, assim como a cerveja faz parte do carnaval e assim por diante, porém, quando há o abuso, a experiência perde o propósito original.
E minha opinião é esta, que em razão de vermos o consumo alto em muitas ocasiões, a experiência perdeu aquilo que lhe tornava especial. Agora é só procedimento padrão.

Estou generalizando porque é um fato em larga escala mesmo, não tem como negar. Nossa cena abrange todos os eventos espalhados por todos os estados e suas cidades capitais e de interior. Analisar a cena apenas levando em conta os festivais e as festas mais sérias onde o público já está um pouco mais consciente, seria analisar uma amostragem pequena do cenário inteiro. Já viajei bastante e pude ter um senso de como está a situação em cada estado. Em alguns festivais estrangeiros também observei isso.
Quando o foco desvia da música e de ter uma experiência equilibrada, as coisas geralmente ficam esquisitas, a sensação é estranha, artificial. E normalmente, festas que gostamos bastante e nos marcam, são aquelas onde o consumo foi mais consciente e equilibrado, mantendo uma energia agradável no ambiente.

Eu tenho uma visão meio romântica disto tudo, acredito que a maior contribuição que podemos fazer com esses eventos de trance psicodélico, é trazer às pessoas e à sociedade em geral, um exemplo real de que podemos celebrar verdadeiramente em paz e em união, com respeito e amor uns pelos outros.
Nossos eventos são livres de qualquer motivo que é razão de discriminação hoje em dia, tal como opção sexual, tipo de pele ou religião. Para nossa galera, nada disso importa, nunca importou.

O que importa (ou importava) acima de tudo, é o que temos em comum, a paixão por ouvir música boa num sistema de som poderoso e cristalino.
Esse sentimento de estar na pista ouvindo um som sensacional vibrando todas as moléculas do seu corpo, é única – fica mais única ainda quando fazemos isto harmoniosamente em grande número de pessoas.
É um ritual de energização coletiva, pois ali mesmo somos preenchidos de um sentimento muito bom, muito positivo.

Só que em razão do abuso das substâncias, principalmente e mais notávelmente dos sintéticos, essa dinâmica fica camuflada.
O paradigma atual definido pela sociedade é: festa rave só tem drogado.
E em certas vezes, sendo totalmente imparcial, tive de concordar com tal afirmação ao ver a condição do público em alguns eventos.

Então sinto isso, que as pessoas necessitam de uma maneira geral, depender menos das substâncias para se divertir – e depender mais de si mesmo para guiar a experiência naquele evento, para fazê-lo ser inesquecível, repleto de aprendizados e importantes conexões.
Nós sempre temos a escolha, sempre podemos guiar.

Pois sempre vai aparecer a oportunidade de ingerir algum psicoativo – podem ter certeza. Aí cabe a pergunta: será que realmente necessito tomar isso hoje? Será que não vai ser mais uma repetição?

Ao escolher um caminho diferente, poderá se abrir uma cadeia de acontecimentos que tornarão aquele dia mais especial ainda.

Purpletrance: Alguma mensagem em especial para os frequentadores da cena brasileira?

Fabio Leal: O psychedelic trance não é só um gênero musical, é também uma cultura muito rica. Permitam-se explorar essa cultura, pois ela literalmente é capaz de mudar vidas para sempre, de maneira positiva.

Facebook: https://www.facebook.com/z.fabioleal
Soundcloud: https://soundcloud.com/fabio-leal/