Você não entende quando vê textos ou imagens relacionadas à cultura trance falando de sagrado e mostrando pessoas de olhos fechados e expressão de glória?

Não é o caso de explicar, porque é algo a ser apenas sentido. Mas é possível dizer que há explicações neurológicas para a ação transcendental dessa música no nosso corpo, do que se ocupa uma área do conhecimento chamada Neuroteologia (“também conhecida como Bioteologia ou Neurociência Espiritual, que estuda os processos cognitivos que produzem experiências subjetivas tradicionalmente categorizadas como religiosas ou espirituais, relacionando-as com padrões de atividade no cérebro, e buscando descobrir como e porque elas evoluíram nos humanos, e os benefícios dessas experiências”) – fonte: Wikipédia.

O Trance tem uma melodia caracterizada pelo tempo entre 130 e 160 BPM, apresentando partes melódicas de sintetizador e uma forma musical progressiva durante a composição, de forma crescente ou fragmentada, mas sempre baseada na repetição harmônica de sons que tem o poder de elevar a consciência a estados transcendentais que possibilitam ao individuo identificar manifestações ocultas da mente (isto é, psicodelia).

É uma música que “induz o ouvinte a um estado alterado que “desautomatiza” a consciência corrente” (…) “a mente consegue, mais facilmente, romper e desorientar o fluxo normal de pensamentos, causando confusão ao iniciante, mas calmaria ao praticante reiterado” (…) “altera a vivência habitual das suas emoções e dos seus processos fisiológicos comuns, produzindo, por consequência, um novo modelo rítmico capaz de reestruturar a sua consciência e fazê-lo ingressar em outro mundo. Os ritmos altamente acelerados e os movimentos ritualísticos da dança sincronizam e harmonizam os fragmentos e associações de pensamentos confusos e desorganizados na mente do ouvinte e, desta maneira, assenta-se a consciência. A mente daquele que aprecia esse som na sua essência converte-se em um pote vazio no qual podem acomodar-se objetos de percepção e elementos inconscientes e intuitivos da experiência que, em geral, estão reprimidos, amontoados ou bloqueados por nosso caótico e incessante fluxo de pensamentos desorganizados.” (Fonte: Daniela Mesquita).

Nesse contexto, a vivência do Trance acabou por criar uma verdadeira cultura, mormente uma representação moderna de contracultura, inspirada na mistura dos ideais do movimento hippie dos anos 60 e de rituais primitivos de conexão com o universo. Um movimento que visa romper com os valores negativos impostos atualmente pela cultura vigente, baseados no poder econômico e em regras sociais discriminatórias e segregadoras, dando lugar ao cultivo de valores como a paz, o amor, a união e o respeito (consagrados na sigla P.L.U.R., do inglês, Peace, Love, Unit, Respect). Isso se dá através da música e da dança, como forma de atingir um estado de consciência elevado, que coloca o apreciador em comunhão com a natureza e com o cosmos.

Não por acaso, portanto, pode-se encontrar elementos primitivos do Trance nas raízes religiosas do xamanismo, hinduísmo e budismo, que até hoje marcam a expressão da cultura Trance entre aqueles que a vivenciam e cotidianamente utilizam a linguagem e os elementos visuais oriundos dessas culturas, como é exemplo o “Om” (ॐ), que é o mantra mais importante do hinduísmo, por ser considerado “o som do universo” e a semente que fecunda os outros mantras.

Assim, se você é alguém que se surpreendia ao ver um amante do Trance dançando de olhos fechados – e muitas vezes molhados – e com as mãos exaltadas em agradecimento, agora já pode tentar entende-lo. Não se trata necessariamente de nenhuma substância externa, exceto a vibração do som e da energia do universo. Quem sabe agora você até se arrisque a vivenciar essa experiência? Não faz mal à saúde… E faz bem à alma!

Foto By Bruno Camargo.