Confira artigo publicado no site vice.com sobre o novo livro de Norman Ohler, Der Totale Rausch que conta a história do uso de drogas de “melhoria de performance” entre os nazistas. Muitos dos envolvidos no partido de Hitler, desde o Wehrmacht até a liderança, curtiam muito alguns químicos.

O site vice.com conversou com Norman para saber mais sobre o tipo de droga preferida dos nazistas e por que poucos livros abordam o tema.

VICE: Oi, Norman. Então, Hitler e outros no partido nazista estavam drogados o tempo todo?
Norman Ohler: É isso que minha pesquisa sugere. Mas você precisa diferenciar. Cada um deles tinha suas predileções e vícios. Nem todos usavam todas as drogas. Alguns mais, alguns menos. Alguns usavam metanfetamina – por exemplo, Ernst Udet, o chefe de Aquisição de Aeronaves e Suprimentos. Outros usavam anestésicos fortes, como Göring, cujo apelido era “Möring”, de morfina. E está provado que Hitler tomava Eukodal – o nome da marca alemã de oxicodona [um opiáceo sintético] – na veia. Eu queria investigar de onde esse consumo em massa veio e a relevância histórica disso.

Muita gente tem dificuldade para lembrar exatamente que drogas tomou num final de semana. Como você pode provar o que Hitler usou 70 anos atrás?
Todos os aspectos do Terceiro Reich foram cuidadosamente anotados. O médico pessoal de Hitler, Dr. Theo Morell, deixou registros extensos. Pude pesquisá-los no Arquivo Federal em Koblenz, no Instituto Histórico Contemporâneo em Munique e nos Arquivos Nacionais de Washington. As injeções individuais que Hitler tomava todo dia estão anotadas nesses registros, preto no branco. É uma leitura fascinante.

No livro, você escreve que o médico de Hitler era obeso, sem graça e que comia como um porco. Isso não parece muito com o sonho ariano. Como essa relação tão próxima entre Morell e Hitler se desenvolveu?
Todos em volta de Hitler detestavam Morell – o próprio Hitler era o único que não. Eles desenvolveram um relacionamento simbiótico por causa das drogas. Morell não teria podido ir ao enterro do irmão – porque ficaria longe de Hitler por dois dias. O Führer precisava de suas injeções todo dia.

Por que você escreveu esse livro?
Um amigo, DJ residente do Club der Visionäre [em Berlim], me falou sobre o tópico, e decidi escrever um romance sobre isso. Depois, percebi que escrever ficção não estava funcionando. Eu estava interessado nos fatos. Por isso, decidi escrever um livro de não ficção sobre o tema.

O livro tem dividido opiniões. A Spiegel disse que você não é um historiador, enquanto a crítica do Süddeutsche Zeitung foi bastante positiva. O que há nesse tema que provoca respostas tão variadas?
Isso se concentra no significado de um capítulo da história que não é menor; logo, claro, há pessoas que não querem aceitar novas perspectivas. Isso tem muito a ver com medo e também com interpretação de soberania. Existem esses supervisores acadêmicos: quem tem permissão para dizer o que sobre determinado tema? Muitas pessoas temem, por exemplo, que meu livro vá relativizar a culpa dos nazistas. Essa é a questão principal, claro. E é preciso ser respondida.

Falando em culpa, é possível que o consumo de drogas pelos nazistas possa mudar a responsabilidade legal deles?
Certamente, não. O princípio jurídico fundamental “actio libera in causa” se aplica aqui. Isso significa que, se você ficar intoxicado para realizar um crime que já tinha planejado, isso não diminui sua culpa. Os planos do regime nazista já estavam expostos no inflamatório texto de Hitler Mein Kampf e começaram a ser implementados nos anos 30, antes de as drogas tomarem o controle.

O Nacional Socialismo é um capítulo horrível da história alemã. Você não só descreve o consumo de drogas pela liderança no livro, mas também os experimentos com drogas que aconteciam nos campos de concentração. O que aconteceu lá exatamente? Que tipos de experimentos eram esses?
Em Sachsenhause, os prisioneiros eram obrigados a fazer a chamada “patrulha das pílulas”. Eles tinham de ingerir uma nova “droga maravilhosa” que continha altas doses de cocaína, metanfetamina e Eudokal; além disso, corriam em círculos carregando mochilas a noite toda. O exército conduzia os testes junto com a SS. Prisioneiros em Dachau eram injetados com mescalina sem saber. Eles estavam tentando desenvolver novos métodos de interrogatório. Os americanos acharam os resultados desse experimento quando libertaram o campo. A inteligência americana usou esse material mais tarde para o “Projeto Artichoke”, que pretendia desmascarar supostos espiões soviéticos.

O Wehrmacht invadiu a Polônia e a França com tamanha velocidade que as pessoas chamaram isso de Blitzkrieg. Todos os soldados estavam realmente drogados?
Trinta e cinco milhões de doses de Pervitin foram fornecidas para a campanha na França. O ingrediente ativo do Pervitin é metanfetamina. As unidades de tanque eram especialmente drogadas. Os pilotos da Luftwaffe também tomavam metanfetamina. Você pode dizer que o Blitzkrieg era um Metakrieg.

Metanfetamina foi usada pelos militares depois de 1945?
Os nazistas foram os precursores em abastecer a guerra com drogas, mas os aliados logo seguiram o exemplo. Eles usavam speed [anfetamina]. E os americanos, por exemplo, nunca desistiram disso: eles administraram doses maciças de speed em seus pilotos na Guerra da Coreia. E os pilotos de drone hoje também podem tomar a chamada Go-Pill [anfetaminas legais] quando estão atacando pessoas em suas telas.

E as forças armadas alemães?
Eles usavam Modafinil, um agente que promove a vigília, no Afeganistão. Isso te deixa acordado e supostamente não tem efeitos colaterais. O conselho de medicina militar está deliberando atualmente se essas substâncias de melhoria de performance deveriam continuar sendo distribuídas em quantidade tão grande.

Por que esse assunto de nazistas e drogas foi negligenciado até agora? Isso é tabu?
Por causa do conceito do próprio Nacional Socialismo de “combater os narcóticos”, que estabeleceu o controle do Estado sobre as substâncias e, com isso, tornou as drogas em geral um tabu. Isso fez o tema ser descartado pela ciência séria – estudos abrangentes ainda são evitados pelas universidades hoje.

Como sua biografia pessoal de uso de drogas se compara à de Hitler?
Não experimentei todas as drogas de que falo em Der Totale Raush. Especialmente porque, se eu tentasse chegar perto do nível de consumo de Hitler, eu não teria conseguido escrever o livro. Sério, ninguém usa tanto assim aquilo.

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